
Ela via aquela menina todos os dias, moça bonita, de cabelos lisos e sempre maquiada. Com aparência de quem tem dinheiro para passar maquiagem mesmo em dia de chuva. Como era bonita! Daquelas que até as mulheres reparam, querem se espelhar. E Sônia não faria diferente.
Um dia, reservou um tempinho antes de sair para trabalhar, pra se "ajeitar" tal como a moça bonita. Tinha uma maquiagem barata encostada, só usava para festas. Pois a desencostou e atreveu-se a aplicar. Rímel, lápis, sombra, blush. Uma maquiagem trivial, que deu-lhe uma aparência melhor.
Andou três quarteirões para chegar no ponto de ônibus, dentro dele mais 30 minutos para chegar ao local de trabalho, onde fazia serviço braçal. Todos os dias pensava que sua professora tinha razão quando dizia que a 8ª série não era suficiente para se viver bem.
Chegou, trabalhou, voltou, 30 minutos, mais os três quarteirões.
Entrou em casa e avistou Cesar, seu marido, deitado no sofá.
- Que cara é essa?
- Cara de quê?
- Essa cara de palhaço borrado e cansado.
- Ai, não fala assim.
- Falo sim. O que fez?
- Passei maquiagem.
- Pra quê?
- Pra ficar mais bonita, ué.
- Bonita? Sônia, mulher pobre não tem vez. Você passa essa maquiagem na cara e logo sua andando até o ônibus. Escorre. E maquiagem não adianta. Pobre tem cara de pobre, e nenhum disfarce desmente isso. Porque gente como a gente não vai à academia, não tem as pernas feitas à mão, no máximo é torneada pelo subir e descer dessas escadas e limpar a casa onde você trabalha nos fins de semana. Nós temos a pele morena de sol, com manchas e sardas, temos cabelo que não amansa com qualquer creme ou ferro, e mesmo se amansar, é aquele cabelo sem vida e opaco por causa das químicas. Os peitos não são duros; o ônibus balança demais e a gravidade agradece. Nós temos olhos cansados, Sônia, assim como não temos nada do que a pessoa que te induziu a fazer isso tem.
- ... É.
- Vá tomar um banho, vá.
- Sim. O que vai querer para a janta?